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Respiradores que aguardam inspeção podem não servir para UTI

Publicado em 18/05/2020

Os bastidores do caso ganham novos elementos e expõem uma possível quadrilha que agiu para fraudar os bens do Estado

Há mais de um mês, desde que foi revelada a compra de 200 respiradores pela SES (Secretaria de Estado de Santa Catarina) com dispensa de licitação e pagamento antecipado de R$ 33 milhões, os bastidores desse caso ganham novos elementos e expõem uma possível quadrilha que agiu para fraudar o erário catarinense.

O novo personagem da história é a Exxomed Equipamentos Ltda, empresa que detém a importação dos respiradores modelo Shangrila 510S. A Veigamed, empresa contratada pela SES, não tem autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para comercializar esse produto no Brasil. E mais: o respirador citado não é utilizado em UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

A Exxomed Equipamentos Ltda, localizada em São Carlos (SP), é a detentora da autorização em território nacional de venda dos equipamentos da empresa chinesa Beijing Aeonmed fabricante dos ventiladores pulmonares Shangrila 510S e VG70. Ambos os equipamentos foram citados pela Veigamed como os que seriam fornecidos ao governo estadual. Em uma carta destinada ao atual secretário de Estado da Saúde, André Motta, em abril último, o representante da Exxomed, Onofre Joaquim Rodrigues Neto, alertou que a Veigamed não tem autorização legal para importar os produtos da marca chinesa.

Em contato com a Beijing Aeonmed, Onofre Neto foi informado de que nem a Veigamed nem a TS Eletronic do Brasil (que teria intermediado a compra dos respiradores para a empresa) efetuaram compra alguma de respiradores da fabricante chinesa.

Em petição remetida na sexta-feira (15) pela Exxomed à Deic (Diretoria Estadual de Investigações Criminais) de Santa Catarina a empresa cita uma possível triangulação na compra dos respiradores por parte da Veigamed: “Confirmando tratar-se do modelo fabricado pela Aenomed, pode ter havido uma “triangulação” realizada com a empresa Afrikamed, que teria adquirido da fabricante Aeonmed para posterior “revenda” à TS Eletronic”.

Investigação

A compra dos respiradores é investigada por uma força-tarefa formada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas) do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina), TCE (Tribunal de Contas do Estado) e Polícia Civil.

A reportagem do nd+ entrou em contato com Onofre Joaquim Rodrigues Neto que pediu para que fossem enviadas as perguntas. No fechamento da reportagem, o representante da Exxomed informou que aguardava orientações para poder responder ao portal.

Fotos revelam fraude

De acordo com Exxomed, todas as imagens anexadas às propostas da Veigamed e de duas outras empresas que participaram do processo de dispensa de licitação dos respiradores são de produtos da chinesa Beijing. Na proposta apresentada à SES, a Veigamed indicou que forneceria 200 unidades do ventilador modelo Medical C35 do fabricante Cima Industries Inc. com sede no Panamá.

No entanto, segundo a Exxomed, tanto as fotografias quanto as especificações do referido equipamento referem-se ao respirador VG70 fabricado pela chinesa Beijing e importada pela Exxomed. A situação se repetiu, conforme relatou a Exxomed, quando a Veigamed informou que não seria possível entregar no prazo estabelecido o respirador C35 e então apresentou o modelo substituto, Medical C30, fabricada pela empresa do Panamá. As fotos e detalhes do produto são relacionados ao respirador Shangrila 510S, de responsabilidade da Exxomed no Brasil.

O mesmo ocorreu nas propostas apresentada por duas empresas concorrentes à Veigamed. Nos documentos consta que seria fornecido à SES o equipamento modelo C30, no entanto, nas fotos anexadas a imagem é do respirador importado pela Exxomed, o modelo Shangrila 510S.

Produtos podem ter sido fraudados

Na petição remetida à Deic, a Exxomed anexou documentos que podem comprovar uma possível fraude contra a SES. As fotos que a Veigamed apresentou como sendo de produtos da panamenha Cima são da chinesa Beijing Aeonmed, portanto, a importadora acredita que os 50 respiradores “são na realidade unidades do modelo Shagrila 510S, fabricado pela Aeonmed, que podem ter sido adulterados para se passarem por outro modelo (Medical C30), de outro fabricante (Cima Industries Inc.), com o objetivo de burlar a legislação que impede a importação de produto médico por quem não seja detentor de seu registro perante a Anvisa” .

SES foi avisada

Em 2 de abril, o representante da Exxomed, Onofre Neto, enviou ao então secretário-adjunto de Estado da Saúde André Motta (hoje titular da SES) uma carta informando o contato da Veigamed com a importadora. Nessa carta, o representante da Exxomed relatou que recebeu um telefonema de uma pessoa que se identificou como Cláudio sócio da Veigamed e solicitou a documentação de importação dos respiradores vendidos ao governo catarinense. Os equipamentos eram o Shangrila 510S e tiveram o custo unitário de R$ 31 mil, segundo relatou Onofre Neto na carta.

Nesse documento enviado ao agora secretário de Estado da Saúde, Onofre Neto alertou a SES que a Veigamed não tem autorização para importar os referidos equipamentos. Também informou que a Exxomed estava em tratativas para a venda de 200 respiradores (100 unidades do modelo VG 70 e 100 unidades do modelo 510S) a representante local da empresa “inclusive com preços mais baixos”. A Ortomedical, representante da Exxomed em Santa Catarina, está localizada em São José.

Shangrila 510S não é para UTI

O modelo de ventilador mecânico Shangrila 510S vendido pela Veigamed à SES poderá não atender aos casos de paciente de Covid-19 que chegarem ao hospital em situação crítica. Isso porque esse equipamento não é utilizado em UTI.

A descrição do produto no site da Exxomed é a seguinte: “O Ventilador Shangrila 510S é usado principalmente nas salas de emergência dos hospitais, para transferência após cirurgias, a campo e em ocasiões onde primeiros socorros ou transferência são necessários, para cuidados de pacientes adultos, pediátricos e bebês com peso mínimo de 3,5 kg. O Ventilador Shangrila 510S deve ser usado nas enfermarias comuns, fora do hospital e no transporte entre hospitais. O ventilador está em conformidade com o princípio da operação simples e fácil solicitada para equipamentos de emergência.”

CPI ouvirá mais cinco na terça

Na terça-feira (19), A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga a compra dos respiradores ainda não entregues vai ouvir mais cinco testemunhas. A primeira reunião de depoimentos foi realizada na quinta-feira passada e trouxe a revelação de que a SES não precisava ter pagado antecipadamente os R$ 33 milhões à Veigamed.

De acordo com o advogado Leandro Adriano de Barros, que é próximo ao ex-chefe da Casa Civil do Governo de Santa Catarina, Douglas Borba, na proposta apresentada pela empresa estava estipulado o pagamento em 50%, 25% e 25%. O depoimento do advogado foi o mais contundente dessa primeira oitiva da CPI.

Na reunião de terça-feira, às 17h, serão ouvidos: Janaína Silveira dos Santos Siqueira, gerente de Contratos e Licitações da Defesa Civil; Carlos Eduardo Besen Nau, lotado na Defesa Civil; Débora Regina Vieira Trevisan, consultora jurídica da Defesa Civil; Iná Adriano de Barros, técnica em atividades administrativas da Secretaria de Estado da Comunicação e mãe do advogado Leandro Adriano de Barros; e João Gilberto Rocha Gonçalves, representante legal do Instituto Nacional de Ciências da Saúde, que mora em São Paulo e será ouvido por videoconferência.

A reunião de quinta-feira (21) terá os depoimentos dos ex-secretários Helton Zeferino, da Saúde; e Douglas Borba, da Casa Civil.

Contraponto

Por meio de nota, a Veigamed informou “que está cumprindo todas as etapas burocráticas do processo de liberação dos respiradores. O pedido de nacionalização já foi feito e até o momento a Veigamed não foi comunicada do deferimento ou de eventual exigência dos órgãos competentes”.

Fonte: ND Mais
Foto: Arquivo/Istock

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