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Precisamos mesmo de um novo Código Comercial?

Publicado em 08/08/2016
Precisamos mesmo de um novo Código Comercial?

Comentários sobre um projeto de lei que, se aprovado, mais complica do que auxilia o empresário

Há cinco anos tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1.572/2011, de autoria do Deputado Vicente Cândido (PT-SP), que visa a instituir um novo Código Comercial. O designativo “novo” é importante, na medida em que ainda estão em vigor partes do “atual” Código Comercial, em vigor desde o Império. Porém, com o passar dos séculos, a industrialização do Brasil e a crescente complexidade das relações comerciais, sua aplicação, nos dias de hoje, está restrita ao Direito Marítimo, um dos mais específicos ramos do Direito. Cumpre destacar que as normas gerais das relações empresariais são reguladas desde 2002 pelo Código Civil e complementadas por diversas leis esparsas, tais como a que dispõe sobre as sociedades por ações (Lei nº 6.404/76) e a que disciplina a falência e a recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005), entre outras. Todas elas constituem um microssistema legal conhecido pelos profissionais do Direito como Direito Empresarial.

A pretensão dos autores do novo Código Comercial é de consolidar, em um único instrumento, todas as regras que disciplinam a atividade econômica, acrescida de regulamentações que, em tese, serviriam para conferir modernidade ao cotidiano dos empresários brasileiros.

O que se vê, todavia, é justamente o oposto, sendo, por isso, alvo de protestos de juristas e motivo de grande preocupação por parte de empresários, a tal ponto que entidades como a Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) chegaram a solicitar que a tramitação do PL nº 1.572/2011 fosse suspensa. Até mesmo o relator do texto, deputado Paes Landim (PTB-PI), reconheceu que é necessário mais tempo para o amadurecimento da proposta.

Em meio a inquietude no meio jurídico e empresarial acerca da proposta de novo Código Comercial e no intuito de que os associados da CDL de Florianópolis estejam a par da discussão, elencamos, nos itens abaixo, os aspectos que consideramos mais críticos:

1) prolixo e confuso: para uma norma que se pretende principiológica, o novo Código Comercial, se aprovado como está, será um verdadeiro pesadelo para advogados e empresários. Basta observar que, quando apresentado em Plenário em junho de 2011, o projeto já dispunha de 680 artigos; contudo, este número foi inflado, pelo mais recente Substitutivo, em 786 artigos. Os problemas não param por aí: o texto é tecnicamente falho, contraditório em vários pontos e fragiliza o princípio constitucional da livre iniciativa, podendo agravar o já inóspito ambiente de negócios no Brasil. Não é por menos que o projeto vem recebendo uma enxurrada de críticas de inúmeros juristas de renome, apontando o risco de um indesejável “caos normativo”;

2) interfere em outras normas: as críticas mais contundentes à proposta alertam para o perigo de interferência indevida que o novo Código Comercial poderá produzir em outras normas essenciais para a coesão e correta aplicação do Direito Empresarial. Durante seminário realizado na FIESP, chegou-se ao consenso de que o novo Código se sobreporia a inúmeras leis em vigor no Brasil, em especial as Leis das S/A e a de Falências, o que pode gerar grave insegurança jurídica. “Se os princípios são novos, podem entrar em colisão desastrosa com o que está regulamentado. Qualquer intervenção do código não seria bem-vinda”, afirmou, na ocasião, o doutor em Direito Comercial e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos Klein Zanini. Tal cenário colocaria os operadores do Direito em uma situação bastante delicada: analisando-se um caso concreto envolvendo uma sociedade anônima, o que, afinal, vai prevalecer: o que diz a lei geral (novo Código Comercial) ou o que dispõe a lei especial (Lei nº 6.404/76)? A pergunta nada tem de inútil: segundo estudos realizados pelo Insper, os prejuízos para a economia brasileira da implantação do novo Código Comercial podem chegar a astronômicos 182 bilhões de reais;

3) inoportuno: a intenção de se introduzir no Brasil uma norma desta magnitude representa, para nós, um enorme retrocesso no atual patamar técnico de elaboração de leis, caracterizado pela criação de microssistemas (leis que abordam tópicos pontuais) em detrimento de uma consolidação complexa e mais propensa a conter imprecisões, o que é justamente o que ocorre com o PL nº 1.572/2011. Tanto isto é verdade que as tentativas do novo Código Comercial de querer disciplinar contratos bancários e de mexer nas regras referentes às cooperativas encontra forte resistência de entidades que representam os respectivos segmentos, que já se sentem regulamentados o suficiente pelas normas que já existem. Não bastasse isso, querer tratar do chamado “processo empresarial” mal tendo o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) completado 1 ano de plena vigência soa completamente inoportuno;

4) contaminado ideologicamente: o mais grave dos defeitos que o projeto possui, em nosso sentir, é o fato de estar revestido de um indisfarçável viés ideológico que em nada contribui para a harmonização das relações empresariais no Brasil. Este defeito se revela, por exemplo, na flagrante interferência que o projeto produz na Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005), na medida em que altera o concurso de credores para colocar o credor estrangeiro abaixo de todos os outros – abaixo até mesmo dos chamados “credores quirografários”, desprovidos de garantia real de crédito. Outro ponto no qual o projeto não esconde suas bandeiras está na obrigação de que a empresa precisaria obedecer à tal “função social”, um conceito por demais genérico e que transcende uma análise meramente jurídica do caso concreto. Ora, em um País que necessita, mais do que nunca, de investimento externo (não especulativo) para atravessar o cenário de descalabro econômico por que passamos, estas propostas são, no mínimo, irresponsáveis.

Temos, portanto, que se trata de mais um exemplo de como se legisla mal neste País. O PL nº 1.572/2011 é uma iniciativa desastrosa, mal elaborada e capaz de gerar sérios prejuízos a todos, indistintamente, colocando o Brasil na contramão do mundo e das modernas práticas negociais. Assim, não poderia ser outra a pergunta a se fazer: precisamos mesmo de um novo Código Comercial?

Anderson Ramos Augusto
OAB/SC 23.313
Gerente Jurídico da Câmara de Dirigentes Lojistas de Florianópolis

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