O perigo dos "falsos direitos"
Publicado em 19/05/2016
O perigo dos "falsos direitos"
Atenção para não se alegar um direito que pode não existir
Prestes a completar 26 anos de inegáveis conquistas a consumidores e fornecedores, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), provavelmente a Lei que mais diretamente influi na nossa rotina diária e constante de adquirir produtos e/ou serviços, vem sendo, ao longo dos últimos anos, alvo de atos de deliberada desinformação que vão de encontro aos esforços de se promover um mínimo de boa-fé entre as partes em um País já tão carente de ética e bom senso.
Isto se dá por meio da divulgação de textos hospedados em sites de origem duvidosa e replicados a esmo nas redes sociais, por meio dos quais extrai-se a ideia de que o CDC daria aos consumidores direitos que simplesmente não existem, ou existem desde que atendidas certas condições previstas na Lei, mas que são convenientemente omitidas nos referidos textos.
Ou seja, estes “falsos direitos”, propagados sem qualquer apego a fontes, fatos ou coisa que o valha, não servem a nenhum outro propósito que não seja o de induzir o desatento leitor em erro, consequentemente violando-se “a transparência e harmonia das relações de consumo”, um dos valores que a norma visa a proteger (artigo 4º, caput, CDC), na exata medida em que os consumidores inutilmente os invocam em suas respectivas relações de consumo, gerando-se, assim, enorme constrangimento na relação comercial.
Já os associados, na condição de fornecedores, sentem-se afugentados pela estridência com que tais “direitos” são exercidos por seus clientes, e, receosos de que são realmente devidos, cedem em favor daqueles que os alegam. E é aí que está o problema, de modo que a má-fé se perpetua e o espírito do legislador, materializado no CDC, é posto em segundo plano.
Os tempos atuais exigem dos associados da CDL de Florianópolis uma postura de permanente conscientização sobre seus próprios direitos e deveres na cadeia a que fazem parte, a começar por abolirem de vez de seus processos internos a ingênua noção de que “o cliente tem sempre a razão”, pois, a se julgar verdadeira esta frase, sequer haveria a necessidade de termos no Brasil uma norma a regular a relação de consumo.
Os consumidores, por sua vez, devem ter em mente que seus direitos decorrem da Lei ou do que as partes, em comum e livre acordo, convencionarem. Mais que isso, precisam compreender que a folclórica e pouco lisonjeira “Lei de Gérson” (segundo a qual “o importante é levar vantagem em tudo”) é, por si só, um mal a ser combatido, se quisermos ser um País verdadeiramente sério e justo.
Dentre os “falsos direitos” alardeados como se legítimos fossem, temos:
1) as lojas não são obrigadas a trocar o produto, refazer o serviço ou devolver o dinheiro quando o consumidor bem entender. Essa obrigação apenas surge
a) se o produto/serviço apresentar defeito (e, ainda assim, mediante prestação de assistência técnica em até 30 dias); ou
b) se a aquisição tiver sido feita fora do estabelecimento comercial (por telefone, via Internet etc.), desde que o consumidor manifeste a intenção de desistir da compra em até 7 dias;
2) as lojas são obrigadas por lei a expor os preços e as condições de pagamento em cada produto exposto em suas vitrines, mas de forma alguma isso quer dizer que, na eventual ausência de uma etiqueta de preço, o consumidor tenha o direito de levar o produto de graça. Não se corrige uma irregularidade praticando-se uma ilegalidade (no caso, o enriquecimento sem causa);
3) é bem verdade que os cartões tornaram-se meios de pagamento amplamente difundidos no mercado, mas o fato de uma loja aceitá-los não significa necessariamente que a loja vizinha também os aceite. O mesmo se diga em relação a cheques. Não custa lembrar: o único meio de pagamento cuja aceitação é obrigatória pelo lojista é a moeda corrente nacional (real);
4) não é constrangimento algum (e muito menos situação passível de dano moral) solicitar do consumidor a apresentação de documento de identidade na hora da compra, especialmente se se tratar de compra a prazo. Nessas horas, o associado precisa ter em mente que a concessão do crédito é uma decisão sua, que deve estar baseada em elementos que evidenciem a capacidade de quitação da dívida pelo potencial devedor.
Estes são apenas alguns exemplos de “falsos direitos” que devem ser firmemente coibidos, em prol de uma relação entre consumidores e fornecedores pautada no que é efetivamente devido para que ambos saiam reciprocamente satisfeitos e quites.
O Direito do Consumidor e a ética agradecem.
Anderson Ramos Augusto
OAB/SC 23.313
Gerente Jurídico da Câmara de Dirigentes Lojistas de Florianópolis
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