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Casa da Mãe Joana Tributária

Publicado em 11/06/2024
Casa da Mãe Joana Tributária

Os segmentos produtivos viveram fortes emoções ao longo das últimas semanas em meio às recentes atividades legislativas no Brasil, notabilizadas pelo indomável apetite dos governos (federal, estaduais e municipais) em gerar receitas sem, porém, esboçar qualquer iniciativa a fim de reduzir a despesa pública, que vem alcançando patamares alarmantes.

Façamos aqui um breve resgate histórico:

1) na undécima hora o governo federal retirou do segundo projeto de regulamentação da reforma tributária (protocolado no final de maio) a possibilidade de cobrança, pelos estados, do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) sobre a herança de previdência privada. Alguns estados já cobram esse tributo sobre a previdência privada nas modalidades PGBL ou VGBL, mas, dada a ausência de clareza sobre o assunto (ocasionando judicialização), os estados e o Distrito Federal propuseram uma definição do tema em âmbito nacional para fins de padronização. A gritaria foi tanta que o governo federal, acuado, voltou atrás. A questão que paira é se esse recuo será definitivo...

2) no mesmo projeto consta a alteração de regras do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência municipal, visando a antecipar o fato gerador desse tributo. De acordo com a proposta, o momento de sua ocorrência passa a ser quando da assinatura do contrato de compra e venda do bem ou do direito sobre o imóvel, e não na transferência efetiva da propriedade. Para surpresa de zero pessoas, mais gritaria: o assunto enfrenta sérias resistências no meio jurídico e entre os parlamentares. E não é por menos: a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de que a ocorrência do fato gerador se dá no momento do registro imobiliário, à luz do que dispõe o Código Civil. Há, além disso, pronunciamentos do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) em ações individuais sobre a impossibilidade da incidência do ITBI no momento da formalização da compra e venda. Na prática, é uma discussão que passa longe da "simplificação dos tributos", narrativa repetida à exaustão durante a tramitação da reforma tributária. No entanto, em se tratando de aumento de receitas, pode-se tudo – inclusive maltratar ainda mais a já fragilizada segurança jurídica.

3) não poderíamos finalizar este artigo sem falar da tal "taxa das blusinhas". O Senado aprovou na semana passada a aplicação de Imposto de Importação (II) à ordem de 20% sobre as compras internacionais abaixo de US$ 50. A medida visa a defender o varejo local de produtos importados baratos (principalmente provenientes da Ásia), até então isentos da cobrança. Vale lembrar que tais operações já estavam sujeitas à incidência de ICMS através do programa "Remessa Conforme", lançado pelo governo federal no ano passado. Mas, como de hábito no Brasil, a lógica reinante é invertida: diante do cenário de concorrência desleal para com o empresariado brasileiro, que mantém milhões de empregos à medida que suporta a duras penas a altíssima carga tributária, o ideal, sob o ponto de vista da isonomia e de fomento à economia, seria também isentá-la dos mesmos encargos, tanto por tanto. Só que isso é querer muito. Sabedores de que tal discussão provocaria urticária junto aos atuais detentores das chaves dos cofres públicos, os segmentos produtivos foram obrigados a se colocar na insólita posição de defender uma "isonomia às avessas". Ou seja, agora todos pagam — e por "todos", é óbvio que estamos a falar do estropiado consumidor final brasileiro.

O problema, lamentamos dizer, é que os meses vindouros aparentam não ser diferentes na Casa da Mãe Joana que se tornou a discussão sobre o regime tributário a vigorar no País pelos próximos anos. Haja coração.

Anderson Ramos Augusto
Advogado (OAB/SC 23.313), Gerente Jurídico da Câmara de Dirigentes Lojistas de Florianópolis, processualista civil com área de concentração no Direito do Consumidor.

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