Presente Indigesto de Natal
Por Anderson Ramos Augusto*
Publicado em 12/12/2024
Presente Indigesto de Natal
O pagador de tributos que mora e/ou empreende na Capital foi brindado neste final de ano com mais um trem da alegria que beneficia a poucos em detrimento de todos. A ingrata surpresa agora veio em forma do Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 1.971, de autoria de três dos cinco membros da Mesa Diretora, protocolado na segunda-feira (9) e em tramitação relâmpago na Câmara Municipal.
À primeira vista, a ementa (descrição sumária da proposta) é inofensiva: o PLC visa a dispor "sobre o exercício de função administrativa dos Vereadores da Câmara Municipal de Florianópolis". Na prática, porém, cria uma polpuda gratificação de 50% sobre os vencimentos do Presidente e de 30% sobre os vencimentos dos demais integrantes da Mesa Diretora (Vice-Presidente, 1º Vice-Presidente, 1º Secretário e 2º Secretário).
Gratificar a si mesmo por exercer uma função inerente ao cargo é um escárnio. Vereadores são, por mandamento constitucional, cidadãos eleitos pela sociedade para, entre outras coisas, promover fiscalização permanente sobre as ações do Poder Executivo — o que, na essência, implica na execução diária de inúmeros atos administrativos e de controle. Aqueles que, por sua vez, se dispuseram e foram eleitos por seus pares para ocupar cargos na Mesa Diretora assumem o encargo de zelar pelo bom funcionamento do Poder Legislativo, sem prejuízo das demais atribuições legais. Ninguém os obrigou a cumprir esse papel adicional e, convenhamos, com o que atualmente recebem eles ainda precisam ganhar mais?
Nunca é demais lembrar que esses mesmos Vereadores — ressalvados aqueles que responsavelmente votaram contra — aprovaram, há exatamente um ano, um aumento de quase 50% no valor dos próprios vencimentos a partir da próxima legislatura (fevereiro de 2025). Assim, nossos ilustres "representantes do povo" passarão a embolsar, no mínimo, mais de R$ 26 mil. É o contracheque dos sonhos de parcela significativa de quem acorda cedo e enfrenta toda a sorte de desafios dia sim, dia também, para sobreviver.
A continuar assim, não vai tardar a que pleiteiem um plus por exercerem "função administrativa" de seus próprios gabinetes. Alguém se arrisca a duvidar?
Em tempos de desarranjo crônico das contas públicas, dólar batendo em Marte, vendas que não empolgam, desânimo geral da população e uma reforma tributária que promete arrepiar com as já combalidas economias de empresas e cidadãos, é alarmante que sejamos compelidos a arcar com mais privilégios injustificáveis na atual conjuntura e, o que é pior, legislados em causa própria, em mais um lamentável episódio de que a ética no trato da coisa pública realmente virou uma nota de rodapé.
De acordo com notícias recentes, o PLC nº 1.971/2024 foi retirado de pauta. Pode ser que tenham — enfim — consultado a consciência ou, por outro lado, feito um recuo tático, no intuito de emplacar a medida em um momento futuro, longe dos olhares atentos da sociedade civil organizada. A segunda hipótese nos parece mais provável, ao menos segundo a vivência no acompanhamento da atividade legislativa (vide os famosos "jabutis"). De todo modo, resta-nos pedir a Papai Noel que os Vereadores não entreguem à população de Florianópolis, seja agora ou lá na frente, mais um presente indigesto de Natal que todos nós — indistintamente — haveremos de bancar.
Anderson Ramos Augusto
Advogado (OAB/SC 23.313), Gerente Jurídico da CDL Florianópolis e Superintendente Jurídico da FCDL/SC, processualista civil com área de concentração no Direito do Consumidor