Nova Era da Solução Consensual de Conflitos Trabalhistas no Brasil
Publicado em 21/10/2024
Nova Era da Solução Consensual de Conflitos Trabalhistas no Brasil
A Resolução nº 586/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) inaugura uma nova fase na solução consensual de conflitos trabalhistas no Brasil, integrando à Justiça do Trabalho uma maior segurança jurídica e celeridade no tratamento dos acordos extrajudiciais. Publicada em 1º de outubro de 2024, após ser editada em 30 de setembro do mesmo ano, a normativa surge num momento de alta litigiosidade no cenário trabalhista brasileiro, em que o volume de processos pendentes na Justiça do Trabalho permanece acima dos cinco milhões, e busca ser um antídoto para a saturação dos tribunais. Ao disciplinar a homologação de acordos extrajudiciais entre trabalhadores e empregadores, a resolução promove uma forma de desjudicialização, dando maior ênfase à composição consensual entre as partes, sem perder de vista a tutela dos direitos fundamentais laborais.
A normativa não apenas incentiva a solução de disputas sem a necessidade de uma ação judicial contenciosa, como também introduz uma quitação ampla, geral e irrevogável para os acordos homologados, garantindo que, uma vez homologado o pacto, as partes não possam suscitar futuras controvérsias sobre as relações materiais não acordadas. Essa inovação oferece uma resposta eficaz à necessidade de segurança jurídica nas relações trabalhistas, criando um ambiente mais propício à resolução de conflitos. A presença obrigatória de advogados, tanto para o empregador como para o trabalhador, é um ponto essencial na estrutura normativa, garantindo que ambas as partes sejam devidamente assessoradas e que a desigualdade derivada da relação de trabalho seja mitigada. O envolvimento de advogados específicos para cada parte, aliás, busca prevenir que o trabalhador seja prejudicado em sua posição mais vulnerável, algo que tem sido uma preocupação recorrente nas transações laborais.
No entanto, essa garantia de quitação ampla deve ser provida com cautela. A exceção para casos de doenças ocupacionais ou sequelas acidentárias desconhecidas no momento do acordo ressalta a atenção do legislador em não permitir a renúncia de direitos que ainda não se manifestaram. Assim, a resolução equilibra a necessidade de proteção do trabalhador, garantindo a preservação de direitos que não estavam ao alcance de seu conhecimento no momento da celebração do pacto, e a busca de estabilidade jurídica para os empregadores. Esse modelo visa promover um ambiente mais estável nas relações de trabalho, garantindo previsibilidade aos empresários, algo crucial em um cenário econômico marcado pela incerteza.
Outro ponto que merece uma análise apurada é a regulamentação da homologação parcial dos acordos extrajudiciais, conforme previsto no § 3º do artigo 3º da Resolução. Essa disposição é um reflexo direto do princípio da integralidade dos acordos, impedindo que o Judiciário altere ou modifique unilateralmente as condições pactuadas entre as partes. Para o empresário, essa previsão representa uma segurança adicional, na medida em que o acordo só será homologado se for aceito em sua totalidade. No entanto, essa consequência também impõe desafios, uma vez que limita as possibilidades de transações parciais, as quais poderiam ser úteis em negociações mais complexas envolvendo múltiplas questões trabalhistas. Assim, as empresas precisarão adotar uma abordagem mais abrangente em suas negociações, tratando todos os assuntos que possam gerar litígios futuros de uma só vez.
A aplicabilidade da Resolução, nos primeiros seis meses, limita-se aos acordos de valor superiores a 40 salários-mínimos, o que demonstra a prudência do CNJ em implementar uma normativa de forma gradual. Esse período experimental permitirá que o impacto da resolução sobre o volume de trabalho da Justiça do Trabalho seja avaliado, podendo ajustar-se a norma para atender melhor às demandas do Judiciário e dos jurisdicionados. Para as empresas, esse intervalo inicial de seis meses representa uma oportunidade de adaptação à nova dinâmica dos acordos extrajudiciais, permitindo a criação de estratégias internas para negociar e celebrar acordos de forma eficaz, dentro dos parâmetros exigidos pela nova normativa. Espera-se, com essa medida, uma redução significativa no número de litígios ajuizados, aliviando a sobrecarga processual que afeta os tribunais trabalhistas há anos.
O empresário deve, portanto, estar atento às potencialidades dessa nova normativa, utilizando-a como uma ferramenta de gestão de riscos trabalhistas. A possibilidade de encerrar litígios de forma célere, com a segurança de que as matérias tratadas no acordo não poderão ser objeto de reclamações futuras, é um incentivo poderoso para a adoção de práticas preventivas na resolução de disputas. Contudo, é imperioso que o uso desta ferramenta seja acompanhado de uma assessoria jurídica, especialmente para garantir que o acordo esteja em conformidade com os requisitos legais e que o equilíbrio entre as partes seja preservado.
Ao final, fica evidente que a Resolução nº 586/2024 traz consigo uma série de desafios, tanto no plano jurídico quanto no plano prático, especialmente no que diz respeito à sua implementação e aos ajustes necessários para garantir que seus objetivos sejam plenamente alcançados. No entanto, ela representa, indubitavelmente, uma oportunidade para o empresário repensar suas estratégias de resolução de conflitos trabalhistas e adotar práticas mais eficazes e colaborativas, o que poderá contribuir para uma redução significativa dos custos associados à litigância e para a construção de um ambiente de negócios mais seguro e previsível.
Allexsandre Gerent é conselheiro da CDL Florianópolis, advogado (OAB/SC 11.217), sócio fundador da Gerent Advocacia Trabalhista, professor, pós-graduado em direito do trabalho e direito tributário, mestre em ciências políticas.