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Gestão do Uso de Celulares e Grupos de WhatsApp nas Empresas: Limites, Responsabilidades e Impactos Trabalhistas

Por Allexsandre Gerent

Publicado em 16/09/2024
Gestão do Uso de Celulares e Grupos de WhatsApp nas Empresas: Limites, Responsabilidades e Impactos Trabalhistas

A evolução tecnológica trouxe incontáveis benefícios ao ambiente corporativo, especialmente com o uso de dispositivos móveis como smartphones. Contudo, o uso indiscriminado do celular pessoal no local de trabalho e a criação de grupos de WhatsApp – tanto os oficiais quanto os não oficiais – por empregados trazem novos desafios para a gestão empresarial, como a perda de controle sobre o tempo de trabalho, queda de produtividade e possíveis conflitos no ambiente organizacional.

O uso do celular pessoal durante o expediente pode interferir diretamente na concentração e na produtividade dos colaboradores. Empresas têm adotado políticas restritivas quanto ao uso de dispositivos móveis, especialmente em atividades que exigem foco contínuo. A jurisprudência nacional, de forma geral, reconhece o direito das empresas de limitarem o uso de dispositivos que não sejam fornecidos pela organização, desde que essas limitações não desrespeitem os direitos fundamentais dos trabalhadores, como o direito à privacidade e à dignidade humana, conforme previsto no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal.

O empregador, com base no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), detém o poder de direção, que lhe confere autoridade para estabelecer normas e regulamentos internos que visem à organização do trabalho e ao controle dos meios produtivos. Portanto, a regulamentação do uso de celulares pessoais durante a jornada de trabalho é uma extensão legítima desse poder diretivo. Entretanto, essas regulamentações devem ser proporcionalmente equilibradas, a fim de evitar o abuso de poder e a violação de direitos constitucionais dos empregados.

Um dos aspectos mais críticos em relação ao uso de dispositivos pessoais fora do expediente é a possibilidade de configuração de horas extras. De acordo com o artigo 4º da CLT, o tempo em que o empregado está à disposição do empregador, ainda que não esteja executando suas tarefas, deve ser considerado como tempo de trabalho. A comunicação constante via celular, mesmo fora da jornada de trabalho, pode, em determinadas situações, configurar uma extensão não autorizada do expediente. Nessa hipótese, o empregado estaria à disposição do empregador, o que poderia implicar na caracterização de horas extras e consequente pagamento de verbas adicionais, como adicional noturno, descanso semanal remunerado e reflexos em férias, 13º salário e FGTS.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem analisado casos em que a utilização de dispositivos pessoais fora do horário de trabalho levou ao reconhecimento do direito ao pagamento de horas extras. Em especial, se houver um volume expressivo de trocas de mensagens de trabalho ou a execução de atividades fora do ambiente corporativo, a empresa corre o risco de acumular passivos trabalhistas consideráveis. Por isso, a adoção de uma política clara e objetiva que proíba ou limite o uso de dispositivos pessoais para fins laborais fora do horário contratual é uma medida preventiva essencial.

Além do uso de dispositivos móveis durante o expediente, o uso de aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, tem gerado debates sobre os limites de controle do empregador. A criação de grupos de WhatsApp não oficiais pelos empregados, embora pareça uma extensão das relações sociais fora do ambiente de trabalho, pode ocasionar situações problemáticas. Discussões não controladas, compartilhamento de informações confidenciais e violação de regras internas são algumas das possíveis consequências do uso indiscriminado desses canais.

O artigo 5º, inciso IX da Constituição Federal garante a liberdade de expressão, mas essa liberdade deve ser exercida com responsabilidade, especialmente no contexto corporativo. O equilíbrio entre a livre manifestação dos empregados e a manutenção de um ambiente de trabalho saudável exige que a empresa estabeleça diretrizes claras sobre o uso de canais de comunicação e que desencoraje, formalmente, o uso de grupos não oficiais para tratar de assuntos relacionados ao trabalho.

A participação dos empregados em grupos de WhatsApp pode gerar repercussões legais para a empresa, mesmo que esses grupos sejam criados sem a sua autorização ou supervisão direta. A jurisprudência recente tem reconhecido a possibilidade de a empresa ser responsabilizada por danos morais em casos de assédio moral, ofensas ou qualquer outro comportamento inadequado que ocorra nesses grupos, caso seja comprovado que tais práticas afetaram o ambiente de trabalho ou a integridade de algum colaborador.

O assédio moral em grupos de WhatsApp tem sido objeto de frequentes ações trabalhistas, especialmente quando há evidências de que gestores ou supervisores participam ativamente desses grupos e praticam condutas ofensivas. Nesses casos, a empresa pode ser responsabilizada por omissão, e o empregado ofendido pode pleitear indenizações por danos morais, conforme estabelecido no artigo 927 do Código Civil, que trata da responsabilidade civil por atos ilícitos.

Portanto, a criação e manutenção de canais oficiais de comunicação pela empresa são fundamentais para garantir o controle e evitar o surgimento de problemas que podem desencadear processos judiciais. A utilização de grupos não oficiais deve ser fortemente desencorajada, especialmente para tratar de assuntos laborais, a fim de mitigar riscos de assédio, má gestão de informações e, consequentemente, passivos trabalhistas.

Para evitar a caracterização de horas extras pelo uso de celulares fora do expediente, bem como minimizar os riscos de danos morais oriundos de interações em grupos de WhatsApp, é fundamental que as empresas implementem políticas claras e objetivas. Essas políticas devem abranger:

1.     Regras para o uso de dispositivos pessoais no local de trabalho: estabelecendo os momentos e locais em que o uso do celular é permitido ou restrito, de forma a não prejudicar a produtividade.

2.     Proibição ou restrição do uso de celulares para questões laborais fora do expediente: limitando o contato fora da jornada de trabalho, exceto em casos de extrema necessidade, mediante autorização formal.

3.     Criação de canais oficiais de comunicação: estabelecendo meios formais para trocas de informações, evitando a dispersão de assuntos laborais em grupos não oficiais.

4.     Orientações sobre a postura ética nos grupos corporativos: promovendo um código de conduta para a comunicação em grupos de WhatsApp oficiais e punindo comportamentos que possam causar constrangimentos ou ofensas a outros empregados.

A tecnologia trouxe inovações e desafios para o ambiente de trabalho, exigindo que as empresas reavaliem suas políticas internas e o controle sobre o uso de celulares pessoais e grupos de WhatsApp. O equilíbrio entre o direito do empregador de gerir o ambiente corporativo e os direitos dos trabalhadores à desconexão e à integridade moral é essencial para a preservação de um ambiente de trabalho produtivo e harmônico. A implementação de políticas claras sobre o uso de dispositivos móveis e a comunicação entre os empregados, tanto dentro quanto fora do ambiente corporativo, pode prevenir conflitos e minimizar os riscos de litígios trabalhistas.

* Allexsandre Gerent é conselheiro da CDL Florianópolis, advogado (OAB/SC 11.217), sócio fundador da Gerent Advocacia Trabalhista, professor, pós-graduado em direito do trabalho e direito tributário, mestre em ciências políticas. 

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