Erros em Cascata
Por Anderson Ramos Augusto
Publicado em 17/01/2025
Erros em Cascata
A revogação de uma norma da Receita Federal (RFB) a respeito do Pix foi a tempestade perfeita criada unicamente pelo governo federal, que agora amarga prejuízos consideráveis de credibilidade ao seu combalido discurso de austeridade fiscal.
Publicada em setembro do ano passado, a Instrução Normativa RFB nº 2.219/2024, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2025, determinava que instituições financeiras e operadoras de cartão de crédito notificassem a RFB acerca de operações em PIX que somassem mais de R$ 5 mil mensais (no caso de pessoas físicas) e de R$ 15 mil mensais (para pessoas jurídicas). Foi o prato cheio para que fosse vislumbrado o sério risco de milhões de brasileiros serem enredados na famigerada "malha fina" da Receita ante o possível desencontro entre as movimentações financeiras e o que é declarado ao Fisco.
É óbvio que medidas para mitigar a sonegação fiscal são bem-vindas, mas a grotesca falha de comunicação quando da divulgação dos reais propósitos da norma foi determinante para gerar, junto à população e aos segmentos produtivos, o fundado receio de uma potencial "taxação do Pix" — ainda mais por se tratar de um governo que gasta como nunca antes se viu e, portanto, precisa arrecadar ainda mais.
Acuado pela forte reação contrária (proveniente, sobretudo, das redes sociais), o governo voltou atrás, não sem antes acusar seus opositores de disseminarem "fake news". Chama atenção, porém, que não se deram ao trabalho de defender claramente o viés não-arrecadatório da norma que revogaram.
Ao fim e ao cabo, deu-se um tiro no próprio pé, o que só fez aumentar a desconfiança.
Eis que na quinta-feira (16) foi editada a Medida Provisória nº 1.288, que, entre outras coisas, define como prática abusiva "a exigência, pelo fornecedor de produtos ou serviços, em estabelecimentos físicos ou virtuais, de preço superior, valor ou encargo adicional em razão da realização de pagamentos por meio de Pix à vista" (artigo 2º, caput), equiparando essa modalidade ao pagamento em espécie (artigo 2º, parágrafo 4º).
Na prática, o governo federal relativizou, quanto ao Pix, os efeitos da Lei nº 13.455, de 26 de julho de 2017, que possibilita a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público em razão do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado. Em outras palavras, o empresário poderá aplicar preço diferenciado se a modalidade de pagamento escolhida pelo consumidor for, por exemplo, cartão de débito ou de crédito; por outro lado, se adotado o Pix, o preço final à vista deverá ser idêntico àquele devido se o pagamento for em moeda corrente.
O Pix é uma ferramenta importantíssima e que democratizou o acesso dos cidadãos a serviços bancários de forma rápida e segura. A sua aceitação, pelos segmentos produtivos, como meio válido de pagamento deve ser incentivada e, principalmente, protegida contra erros primários cometidos por um governo que comprovadamente não consegue controlar seus gastos e muito menos dialogar com a sociedade. Este resumo é um retrato preocupante do que nos espera em um ano que está apenas começando.
Anderson Ramos Augusto
Advogado (OAB/SC 23.313), Gerente Jurídico da CDL de Florianópolis e Superintendente Jurídico da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Santa Catarina; processualista civil com área de concentração no Direito do Consumidor